
O que eu preciso –
Desumano instinto
Desumano faminto de desigualdade –
é identidade.
O que eu preciso é de deformidade.
Prega assim o Evangelho –
velho só de culpa –
Novo, e que resulta
dos receios de Solidão:
“Não há perdão
para a revolta”.
Ah!
Queira um homem ser cadáver
Caído com o estertor da altivez
Se viver é marchar na pequenez
da multidão interactiva
Que tudo vive, exceto a vida.
Antes cegar do que seguir
rebanhos que entopem as ruas
Que pastam com olhos armados de puas
entre eles e a real existência das coisas.
O que eu preciso
é quem desligue a Inconsciência –
Máquina de frenética indiferença –
e se junte ao descanso
(Irreverente)
de ser gente.
O que eu preciso
é tempo morto
tolerância ao vazio e ao desgosto
De notar o mundo em frente a nós
Wi-fi nos livre da pena atroz
de tolerar a Solidão
Silêncio onde nasce a sugestão
de uma possível identidade.
Antes se pague ao barqueiro em vontade
Se vista a sunga apertada
E em natação sincronizada
Se atravesse o rio do abandono
Vala de multidões sem nome.
Antes se ocupe de ruído o Instante
Se entulhe o olhar e o Silêncio
Não seja quieto qualquer momento –
Mas, intermitentemente
Há que abrandar a vacuidade
E para ofender a posteridade
(repórter ávido do encenado)
Partilho a glória do ignorado
Com quem o não ignorou comigo –
E a meu lado, o foragido,
Pois que aguarde!
Entre laços e gostos,
Há uma clara prioridade.
Desumano que buscas o mundo:
já não há mais mundo!
Há espelhos e filtros e ânsia
E gente ensonada que dança, dança
de costas voltadas à vida,
De fronte voltada para a Hidra
A que engoliu o mundo
e o que fica
é o cadáver digerido em sigla
e a lápide mil vezes escrita
com smileyzinhos e cardinais.
(Ah instintos fatais
de quem foca e dispara a arma
a cada surpresa, a cada ameaça
de nos inflingirem a contemplação.
De nos impedirem a consagração
Do admirável acto de existir.)
Mas se é para sucumbir,
Pois dispare-se!
Dispare-se a tudo
Dispare-se rápido
Sem flash, antes que o sol adormeça
Dispare-se à praia e à sobremesa
Dispare-se à graciosa torção da cabeça
Preventivamente guilhotinada
mas enquadrada com método e graça.
Dispare-se ao sushi, à esplanada
à fotogenia encenada do gato
deitado à janela kitsch da casa
Talvez assim, irmão Desumano
quanto o mundo inteiro for consumido
Possamos lembrar o que estava escondido
do outro lado do ecrãn.
E aí, vilão desumano,
Poderás cantar comigo
Pelos campos de presos à irrealidade:
O que eu preciso é
Desigualdade,
O que eu preciso,
é de identidade!