Poemário

Despojos de algo mais

17 Agosto, 2017
Egon Schiele, Auto-retrato

 

A luz do sol na janela

Não é o sol – é a janela.

 

Chego tarde, e a indiferença

De quem viveu, à minha dor,

É o sacramento da angústia,

Ungida pelo não-vivido

E por quem o não viveu comigo.

 

Chego tarde.

Pelo chão os despojos

Vis, Clamorosos

São o pregão da ausência,

O riso gordo da hiena

A uma faminta ameaça

Já devorada a carcaça.

 

Chego tarde, e o que reside

Dentro do círculo do instante

São os ecos do que já não vive

A voracidade do Passado

Dilatando um grotesco ventre

Com a carne morta do Presente.

 

Ser o sobrevivente

Do clarão da vida

E ter tempo de sobra

E descer para a Hora

Do nada

Ainda de bolsos cheios…

 

Trincheiras são canteiros

Apodrecidos os heróis –

E a mim, doem-me os lírios!

 

Pudera eu ser pasto de martírios

Pudera com eles ter morrido –

A juventude, a paz, o poema –

Antes outro o escrevera

E eu fosse já só silêncio…

 

Dai-me o sol, dai-me o fogo

Levai os vidros onde morre

Mais que eu, a ideia possível

De mim.

E enfim, por uma vez

Não seria tarde mais,

E também eu, com os mortais

cansado de luz e de riso

Morreria de ter vivido.

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