Poemário

Auto-cartografia – Lisboa

8 Dezembro, 2017
Autoria: Eduard Gordeev.

Por mim anda-me, e eu deixo

A rua breve de Lisboa

Recomeça-me, confia-me

Três mil anos de vícios

Faluas, naus, terreiros

Velas intactas de fenícios

Fogueiras, breus, ofícios

Sedimentos de gente

Sobrepostos, empilhados

Sobre os olhos abertos

À irreal vida de um lugar

 

É na ideia de si e lá

Que a lucidez arrefece

E o miradouro se converte

No marulho dos segredos

Ainda não pronunciados

Por preguiça

Ou atraso

Estando o jardim já em mim

Preparado

À memória rápida de um sonho

 

Tangido espaço só de Tempo

Persistência em luz do vento

Soprando na face de Deus

Na indiferença do Infante

E renovado no semblante

Do Homem que de novo tenta

O cais da cidade-mundo

 

À sombra de cada caminho

Há sempre um fruto escondido

Pronto a ser colhido

Estendendo o medo à escuridão

 

Em cada escada a permissão

De uma outra, breve vida

De um desalento indolor

Escolhido só porque a dor

Fica bem com sardinheiras

 

Lisboa é o lugar ausente

Em todos os outros lugares

Na embriaguez, entontecidos

É os arrependimentos antigos

À luz dos lampiões

Murmurando ao vulto

Ao primórdio oculto

Na solidão de cada um

Que se corrijam ao medo

 

Palco imerso do enredo

De poder eu, quem sabe,

Viver enfim um amor novo

Se abrir a mão quase vazia

Em cada inesperada colina

Onde um fruto escondido espera

Estendendo o corpo à escuridão

 

Lisboa é a ausência de luz

Que há em todos os outros lugares

Vagar de todos os outros vagares

 

Lisboa é nome de regresso

Guardado na vaga promessa

De ser a alguém a minha casa

 

Lisboa é longe, longe dela

E começa, já ausente

Quando se está quase de chegada.

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