
Ainda há pouco te vi
Partir hoje, ontem, sempre,
Meu arquipélago resistente
Ao rio escuro da alma.
Olho hoje, ontem, sempre,
A forma lisa da muralha,
– pedra inteira
Redonda –
vejo alargar-se a fronteira,
Por mais que a percorra.
Fosse o meu instante diferente
Bebesse a seiva da fuga
Aos prismas de sal de uma ilusão humana
E enfim cessaria,
no fantasma do gesto,
O teu passo para longe
O meu tropeço para perto.
Regressa.
Com as duas mãos em chaga
Ascende ao erro antigo,
E recomeça em adágio
O compasso do mundo.
Desaperta nas têmporas
O anel que me deste,
Termina o naufrágio,
a suspensão do ápice
negro da vaga,
Entrega à liquidez da água,
Este langor que não passa.
Que o tempo avance, que o corpo envelheça
Sei pela distracção de estar aqui.
Mas a minha vida dentro de ti,
– Dentro como se fosse apenas eu –
É um pêndulo, volta sempre,
sem que se fatigue o movimento,
ao afastar da tua mão.
Vogo ao vento como a escuridão
Não há nenhuma cor na luz
que me lembre o fim das horas.
Todas as manhãs me tocas
Todas as manhãs me afogas
Na mesma nudez de despedida –
Resvalo em sombra à saída
Dos teus ardores negros
caio no fundo de infinito
dos bolsos do Tempo.
Fui vendido a uma irmandade com o frio das estrelas –
Meu amor orbitante é tão lento como elas
E regressa, sem métrica
Ao milagre da poeira.
Rio
Mostro os dentes ao silêncio
Pergunto-me além-a-mim
se a tristeza acabará.
“Ali,
ali já,
a tristeza vai ter fim! –
Estou além do umbral do instante presente.”
Mas até que ele chegue
haverá ainda este
Incessante, confluente,
Haverá ainda este…
Vem,
Cura-me à vida o que é viver,
Um segundo morto em frente ao outro
– Como vive um deus, como murcha um sonho –
Ascende, amor, ascende,
Finda em adágio o repetir do Dia
E dá-me um fim para o teu corpo
Deitado ainda quando te abandono,
Cada manhã, na cama vazia.