
No gume dos nossos estilhaços,
No vazio pronto dos meus braços,
Há ainda, intacta,
Mais que a memória, a ameaça
De termos estado juntos, os dois.
Não é retorno que espero
Não te procuro, não te quero –
É só uma fugaz impressão
De luz que rasga o firmamento.
Persiste ainda a solidão,
Vence ainda o desalento,
Cego à constante beleza
Que houve em cada momento –
Juntos, os dois.
Mas se por vezes, no silêncio
Por instantes, adormeço –
Sem antes, nem depois,
Estamos ainda juntos, os dois.
E a solidão é quase sonho,
Sacramentada incerteza,
A incómoda indelicadeza
Da realidade.
Vivo na fronteira da vontade:
De sentir ainda os teus braços –
Reais ou intocados –
Nos nossos antigos silêncios.
De renunciar ao capricho –
De tanta luz, tanto vício –
Dos nossos antigos silêncios.
Procuro
Um esquecimento que revele
Exacto, o calor da tua pele –
Sem tocar já pele nenhuma.
Pudesse a nitidez e a bruma
Servir a minha vontade –
Pudesse renunciar à metade
Que foi mágoa, cansaço! –
E que a habitasse a Saudade…
Mas se por vezes, no silêncio
Por instantes, adormeço –
Sem antes, nem depois,
Estamos ainda juntos, os dois.
Pudesse no caos de estilhaços
Não morrer quem eu era –
Pudesse na imensidão da espera
Pela paz que haverá, um dia
Reaver a promessa da vida,
Que sem ti quis, para mim.
Não há regresso – sei, por fim:
Jamais serei a leveza de antes –
É ouro e cinza a leveza de antes….
Mas se por vezes, no silêncio
Por instantes adormeço –
Sem antes, nem depois,
Estamos ainda juntos, os dois.
Nas ruas prolongo a sentença
De não encantarmos mais silêncios;
Sozinho vivo os desalentos
De nos lembrar, em luz e vício.
Persisto.
Na breve ilusão dos teus braços
Sinto ainda a inteireza do fruto,
Como se, sem perda, sem risco
Sem antes, nem depois
Estivéssemos ainda, intactos,
Juntos, os dois.