Pudesse tudo ser limpo Em sal e sonho reescrito Na esfera lisa da Palavra Pudesse a sibila ordenada No templo nu da Poesia Pudesse a pronúncia de Sophia Comandar o fel das ruas Os claustros os povos o cansaço A retomar em novos braços A vocação de miradouro A exaltação de […]
Estar tão perto, tão certo De uma incessante clareza – E ver a lâmpada acesa Porque se pestaneja (E sempre, sempre Se há luz, se pestaneja). Ser redactor do milagre De o milagre ser norma. Exercer a liberdade – “liberdade é emenda!” – Ao cantar a sentença “Não pode, não pode!” Emendo – […]
Porto, 25 de Outubro de 2017 Reli tudo. Três dias sentada no bordo da cama, encostando de vez em quando a cabeça à almofada, coberta de linho e plástico branco. Não descobri nada, mas ao menos tive a confirmação de que vivo num padrão infatigável de mediocridade. Não sei muito bem […]
Os disparos das metralhadoras soam a mar e embalam-nos, no quarto escuro do bunker. À luz fraca de uma lâmpada eléctrica lêem-se, com dificuldade, os recortes de jornal espalhados pelas paredes. Num deles, um rapaz olha-nos directamente – cinco anos, talvez – deitado numa maca, com a cara queimada até não se distinguir músculo de […]
“E ao centésimo dia Deus desistiu e foi de férias”. Os primeiros cem dias da Criação tinham sido bem mais esgotantes que o antecipado. Achou que demoraria uma semanita, no máximo, a arrasar as más línguas, mas claramente estava enganado: ao centésimo dia de luz via-se perante a possibilidade de implosão daquele projecto milionário, […]
Antes que se explorem as circunstâncias que conduziram à descoberta do corpo do Marquinho, há que entender como o nosso protagonista veio a contactar com a grotesca figura de Maria Gancha. Ou, em rigor, entender o pouco que sobre ela se sabia, e o quão protegida a Velha se mantinha na sua vigília mortífera, […]
A luz do sol na janela Não é o sol – é a janela. Chego tarde, e a indiferença De quem viveu, à minha dor, É o sacramento da angústia, Ungida pelo não-vivido E por quem o não viveu comigo. Chego tarde. Pelo chão os despojos Vis, Clamorosos São o pregão da […]
Em honra de Sophia, a lucidez pronunciada. Mónica é educadíssima. Rodou as primeiras saias no Colégio Luso-Francês, jardinou as amizades certas no São João de Brito e cumprimenta invariavelmente os educadíssimos conhecidos por quem passa, nas ruas da Estrela, com um rasgado “Olá, como está meu querido?”. Nada falha numa cordialidade que […]
Começar a desmembrar A estatuazinha fluorescente Do Amor. Nomear, sacramentar A convulsão particular A conformação irregular Da dor. Que o bocejo e o orgasmo O tango do pulso improvisado Sejam de cada um apenas – Que só eu saiba esse poema! Seja apenas meu, o meu abismo E seja amar o que é suposto: […]
Tal como os arquivos da Torre do Tombo ou os recortes da Caras de uma inquilina da rua de S. Bento, também a consciência se arruma em gavetas com acabamento barroco. Arthur Conan Doyle achava-as estanques, mas por cá testou-se a elasticidade infinita das paredes – e aparentemente todo o cosmos lá cabe, desde que […]